O
petrarquismo e a Rainha Virgem
Leonard
Forster (1969) argumenta que o chamado petrarquismo fora parafraseado para
propósitos políticos, de forma semelhante à de certas adaptações de passagens
bíblicas conhecidas, como o Sermão da Montanha (mencionado
brilhantemente por Martin Luther King Jr. em seu último discurso[1]) e Os 10 mandamentos.
O autor cita, ainda, como exemplo deste fenômeno, o poema de Wyatt intitulado Pace
non trovo ou I Find No Peace, em tradução de T. G. Bergan[2], cujas vozes dos versos
evocam figuras importantes da conjuntura político-francesa do século XVI. O
público-alvo de tal obra era composto por indivíduos europeus formalmente
educados.
Ademais, Forster (1969) destaca que, como
bem pontua Gian Giorgio Trissino, a representação em pinturas de Elizabeth I
era semelhante à descrição de Laura, a mulher ideal do eu-lírico de Petrarca (presente em Canzoniere[3]).
Destacam-se, nas referidas retraturas, a pele alva da monarca, bem como sua
beleza estonteante (nos poemas, concomitantes à sua capacidade intelectual),
como na pintura abaixo, datada de 1592.[4] “Como a Rainha Virgem,
adorada, mas por definição fora do alcance do admirador comum, ela era a
incorporação do ícone literário.” (FORSTER, 1969: 127- tradução autoral)
No retrato “Ermine”, por sua vez, de
autoria de Nicholas Hilliard[5], o animal presente no pulso da rainha consiste
em uma representação da castidade. As jóias, em contrapartida, dialogam com o
soneto petrarquiano [263], visto que indicam, ao mesmo tempo, o poder da
realeza e a figura de Elizabeth transcendendo-o em esplendor e importância.
Forster (1969) também pontua a perspicácia de Elizabeth I ao lançar mão do petrarquismo para transformar as desventuras que o destino lhe reservara em um reinado imerso em glória, admiração e lealdade. A rainha, nas palavras de Sir John Neale - cuja caracterização ecoa a imagem petrarquiana “semplicetta farfalla” disposta no soneto [141] - atrai para si profunda devoção de sua corte. Portanto, tal qual a mariposa deixa a luz da vela para perseguir o brilho dos da dama, Elizabeth era perseguida pelo amor/ devoção a ela prestado.
Em tempo, Elizabeth é descrita como
um modelo de castidade -vide o retrato intitulado “Sieve” (1579)[6] a seguir- ao mesmo tempo
que figurada como um item de desejo e devoção pública amplamente fomentados
pelos muitos versos em ode à sua beleza e poder. Além disso, a dimensão
alcançada pela pura devoção dos homens à Rainha é descrita como minuciosamente
construída por ela a partir de seus conhecimentos sobre as obras de Petrarca e
Maquiavel.
Finalmente, pode-se afirmar que a
iconicidade do modelo de governo Elizabetano reverbera por, em termos
petrarquistas, utilizar-se da linguagem do amor. As relações políticas,
bem como o trato do povo, são amplamente descritos nos poemas dedicados à
Rainha - ambos evidenciados no poema de Sir John Davie, “Of her Justice” (FORSTER,
1969: 139). Assim, o petrarquismo Elizabetano destacou-se não só por projetar
uma imagem de Rainha que apetecia e preenchia as expectativas demandadas à
época, mas também por assumir o papel idealizado por Petrarca.
Referência Bibliográfica
FORSTER, Leonard. The Political Petrarchism of the Virgin Queen. The Icy Fire. Five Studies in European Petrarchism. Cambridge: Cambridge University Press, 1969.
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